A FÁBULA DA REVOLUÇÃO
Francisco Porto (Dedéco)
Era uma vez um reino muito rico
de um plano astral diferente, mas não tão diferente. Situava-se entre o
passado, presente e o futuro. Onde o rei e os senhores do poder mandavam e
desmandavam para o seu prazer e vontades. Um lugar onde o povo desgostoso e
desanimado quase desistiu de reagir às injustiças cometidas. Enquanto o lucro e
as fortunas dos poderosos aumentavam ou no mínimo mantinham-se nos patamares estratosféricos
de sempre, o povo penava para manter o pouco que tinha. Uns poucos desejavam
reagir, revolucionar, mas suas vozes não encontravam eco e eram abafadas pelos
iguais na desgraça e a força dos poderosos. Por maior que fosse a revolta, o
desânimo sempre superava.
Na imprensa pipocavam escândalos
financeiros de deixar o diabo quicando de inveja. E a grande massa falava mal,
esperneava entre si. Quando alguém começava a articular algo mais contundente,
ficava praticamente sozinho. Diziam que não adiantava. O circo foi montado assim
desde o início dos tempos e de uma maneira ou de outra, todos faziam parte do
jogo, embora não confessassem. Precisavam de empregos para seus filhos,
empréstimos para sobreviver e pagar as acumuladas dívidas.
E se precisassem de um favor
pessoal de alguém importante? Não, nem pensar, não podiam queimar seu filme
perante os grandões. Talvez reclamando para a imprensa. Não, não estava
adiantando. Afinal, a imprensa, embora livre, também dependia de propagandas
para manter-se. E como se sabe, propagandas normalmente são realizadas para
aumentar a venda de produtos de empresas. E propagandas nos meios de comunicação
com maior veiculação e alcance são caríssimas.
Somente empresas poderosas e
ricas podem contratar esses serviços. Acreditavam que estes anunciantes fariam
pressão para que tudo continuasse do mesmíssimo jeito. Os representantes de
todas as classes penalizadas com os desmandos e que ainda acreditavam nas
mudanças para melhor, continuavam a reunir-se para debater longamente as
alternativas viáveis para a grande transformação social. As reuniões eram
exaustivas, cheias de entusiasmo e discussões acaloradas com argumentações
contrárias daqueles que anteriormente já tiveram suas ideias rechaçadas. O
egoísmo dos egos suplantava qualquer negociação e invariavelmente o encontro
terminava sem nenhuma solução possível. Além das disputas de interesses
pessoais, no popular sair do perrengue e ficar numa boa, toda e qualquer
possível ação que passava no crivo dos interesses e que satisfazia a maioria, mostrava-se
ineficaz, pois as leis e a máquina burocrática impediam-os de progredirem nos seus
planos.
Como os sonhos nunca morrem,
continuavam as reuniões e os fracassos com cara de pesadelo. Pequenos e médios
empresários, trabalhadores assalariados e comissionados juntamente com todas as
classes exploradas participavam com voz ativa. Os homens do campo quase nunca
eram ouvidos já que eram poucos votos. Embora seus produtos fossem muitos e essenciais,
porém os mais baratos e com menor poder de barganha, dentro do reino e quando
estava em suas mãos, porque depois de industrializados e embalados valiam no
mínimo o dobro. E quando vendidos fora do reino era a preço de ouro. Sabiam da
sua importância, mas eram quase sempre impedidos de opinar quando tentavam
expressar suas ideias, além de serem tratados com ironia e sarcasmo.
Indignados, decidiram parar com a única colaboração bem aceita pelos “colegas”
de infortúnio, os alimentos, doados gentilmente para os rega-bofes das
apimentadas reuniões. Os outros participantes riram daquele estranho protesto.
Na reunião seguinte alguns reclamaram. Podiam pelo menos colocarem alguns
tira-gostos para enganar o estomago.
Nos encontros posteriores os
protestos dos participantes aumentavam vertiginosamente, e inversamente
proporcional às assembleias foram esvaziando. Compareciam somente alguns gatos
pingados e esfomeados, os aspirantes a membros da mesa, os pálidos membros cativos
das mesas diretoras e os calejados mais corados homens do campo. Agora com vez
e voz. E foi ouvindo um calejado agricultor que o presidente da mesa, quase em
delírio de fome, teve a incrível visão/salvação do reino. Viu o mesmo
agricultor de braços cruzados e cenho fechado envolto numa nuvem na forma da
bandeira do reino. Como podiam ter sido tão cegos. Essa era a solução para
tudo. Os homens do campo parando, os poderosos ficariam sem alimentos e teriam
de melhorar a vida de todos no reino. Traçaram-se as estratégias e planos,
entraram em contato com todos os “conspiradores”. Um artista desenhou a visão
do presidente da mesa, copiaram aos milhares e espalharam os cartazes de
protesto por todo o reino. E no dia estabelecido como o “dia f”, de fome, deflagram
a greve.
No início os detentores do poder
riram do ridículo da atitude da plebe. Diziam-se plenamente seguros porque os
grandes produtores rurais supririam facilmente a demanda de alimentos
necessários. Só não lembraram que os grandes produtores eram ferrenhos
monoculturistas e naquele ano o grão que valia ouro era a soja e foi neste
produto que investiram maciçamente no plantio. Outros produtos como trigo,
arroz, milho, batata e muitos outros foram negligenciados. Normalmente era
assim, plantavam onde rendia mais e o reino importavam caro os produtos de
vários reinos (diziam que era para equilibrar a balança comercial, entenda-se?).
Mas estes produtos agrícolas eram a base da alimentação da população e também
usados para o trato de animais de corte.
Não foi preciso muito tempo e os
estoques reguladores de alimentos esgotaram. Foram obrigados a aumentar extraordinariamente
a importação. Tentaram confiscar os produtos dos pequenos e médios camponeses e
não conseguem. Eles os haviam escondido muito bem. Os cofres começaram a
esvaziar e os alimentos mesmo caríssimos começaram a sumir das prateleiras.
Mesmo os mais abastados começaram a ter dificuldade de conseguir suas iguarias
e o trivial. O povão nem se fala. Já viviam mal e passaram a viver o jejum do
inferno. Os saques e ataques lugares aonde imaginassem que houvesse alimento
aconteciam a todo instante. Revoltados ameaçavam entrar em choque com a guarda
real, que também estava faminta e sem forças ou vontade de lutar.
Os poderosos debandavam do reino
como ratos de navio afundando. O rei e sua comitiva não vendo alternativa.
Entrega a coroa e se exila num paraíso fiscal com o qual mantinha ótimas
relações financeiras. Sem governo, o presidente da mesa revolucionária assume a
coroa pomposamente. Destituindo a monarquia absoluta e cria a monarquia
democrática parlamentarista presidencialista socialista capitalista. O primeiro
ato do democrático rei foi criar e nomear seus companheiros de mesa nos
representantes do povo com um alto salário e mordomias condizentes com a
relevância e magnitude do cargo. Também distribuiu as grandes propriedades e as
grandes empresas para seus parentes e os digníssimos representantes da sofrida
classe trabalhadora.
Para sanar a fome do novo o
monarca e seus asseclas mandaram a guarda real bem alimentada, com o soldo
reajustado e em dia, confiscar todos os alimentos, escondidos pelos trabalhadores
da terra e os antigos companheiros de ideais. Usando de violência e o poder das
armas pegaram e armazenaram esses produtos nos depósitos reias.
O rei democrata decidiu de forma
magnânima e de acordo com os seus, distribuir os alimentos para o povo de
acordo com sua importância e serviços prestados ao rei. Os camponeses ameaçados
de perderem suas terras e meio de sustento, ficaram quase sem comida, sem
dinheiro, sem ação e sem apoio. Conversaram e decidiram voltar a trabalhar e
produzir os alimentos para o próximo ano. E tudo terminou como era antes. Os
ricos dominantes explorando seus “semelhantes”.
Ei! Aquelas sementes foram
plantadas. Quem sabe não germinam novamente?
Moral: Que tal cada um participar e nos descrever a sua?