quinta-feira, 13 de junho de 2013

Alvino Junkherr: uma reserva de memórias

O homem que é a história viva de um lugar

Por Leandro Junhkerr Porto


“Quando eu era criança, só tinha gado e avestruz aqui”, diz Alvino.

Tarde quente de quinta-feira. O céu já anuncia a chuva de porvir. Porteira fechada. Avisto dona Ivone caminhando vagarosamente, pendurando roupa no varal. Ela fica desconfiada com minha chegada. Algumas palavras, ela percebe o rosto conhecido, ou a voz ao menos. Ivone teve sérios problemas cardíacos, e isso justifica os passos lentos. “O Seu Alvino está?”, pergunto.  “Ah, o Alvino tá lá no campo buscando o gado!”, diz.



Alvino Junkherr é daquelas figuras, pelas quais a gente de cara cria uma profunda admiração. Riso fácil, cara simpática e gestos autênticos. Aos 84 anos é homem forte, mãos grandes de agricultor, fala tranquila de quem muito já viu e viveu. Cérebro de enciclopédia, é isso. Este homem é a história viva de um lugar.

Em suas recordações, gerações de pessoas, a história dos seus antepassados imigrantes. O último que pode contar, com fatos vividos e histórias ouvidas dos “antigos”, como se deu a vinda e as primeiras experiências desse grupo de colonos alemães, numa terra inóspita e ainda selvagem.


Alguns relatos históricos



Sobretudo, Alvino Junkherr é pura memória. Relata acontecimentos de antigamente com riqueza de detalhes, quase transportando o ouvinte ao passado. Conta, por exemplo, que os três irmãos Junkherr, imigrantes vindos da Alemanha para Santa Cruz, foram: Augusto, Carlos e Fernando.

Augusto – que vem a ser bisavô de Alvino – estabeleceu-se logo onde hoje fica o bairro Arroio Grande, em Santa Cruz do Sul e trabalhou na feitura da linha férrea que ia de Santa Cruz a Rio Pardo. Carlos morava em Cerro Alegre, hoje interior de Santa Cruz, e Fernando, em Linha Alto Ferraz, atualmente interior de Vera Cruz.

Isso, até que unidos, os três irmãos puderam comprar um lote de terras, na localidade denominada São José da Reserva. “Quando os velhos vieram, essa área era meio que abandonada. Era uma fazenda do império, para criação de cavalos. Era reserva da cavalaria. Por isso, São José da Reserva. Em Rincão D’El Rei era a última estação onde Dom Pedro apeava para vir pra cá. Ele pousava em Rio Pardo, e lá ainda existe a casa”.

Cronologicamente, o neto de Alvino, filho de Oneide, repete o nome do antepassado alemão. Fica assim: Augusto (bisavó de Alvino), Guilherme (avô), Rodolfo (pai), Alvino, Oneide (filho), e novamente, Augusto, o neto.

Além disso, com os três irmãos e suas famílias, vieram da Alemanha, um tio chamado Martim e mais duas mulheres. Este tio foi o primeiro a ser enterrado no cemitério dos Junkherr, fundado na sede da família nas terras novas. Este cemitério ainda existe, conforme as fotos abaixo.

O cemitério onde foram enterrados os antepassados de Alvino Junhkerr fica localizado no 8º Distrito de Santa Cruz do Sul, São José da Reserva
Túmulos mais antigos são do final do Século XIX


Escola


Apesar das dificuldades, à época Alvino estudou bastante. Junto com outros, Rodolfo, seu pai, pagou num primeiro momento um professor que dava aula na localidade mesmo. “Quando eu era criança, não tinha aula nenhuma aqui. Então alguns pais se uniram e pagaram professor. Dava onze alunos ao todo”.

Depois, ainda menino, teve de ir estudar no Colégio Mauá, no centro de Santa Cruz. “Era época de minha irmã tomar a comunhão. Então meu pai internou-a em Santa Cruz, num colégio de meninas, e a mim no Mauá que na época era Sinodal. Mas ela não quis estudar. Ficou só no internato, aprendendo um pouco de bordado e costura, até que tomou comunhão e veio embora. Não foi no colégio. Não aceitou ir na aula. E eu fiquei oito anos interno lá.”

Alvino relatou a história de um de seus onze colegas, da primeira turma, que faleceu tragicamente. “O Seu Emílio agarrou um guri lá de Andreas, de uma família muito pobre. Tinham muitos filhos. Deram um pra ele, chamado Ricardo Lenz. Ele quase matou a laço o guri, era muito ruim, maltratava. No fim, o Ricardo fugiu pra Andreas a pé e o encontraram morto debaixo de uma árvore. Morreu por lá. Esse foi na aula conosco”.


Seu Alvino poucas vezes precisou de hospital


Alvino contando seus causos, com sua companheira dona Ivone ao lado
“Já com 84 anos, eu tinha uma hérnia. De noite, no galpão, fui arredar uma mesa pra dar mais lugar e bato bem com a virilha, na quina da mesa. Ela correu no piso e me abriu a barriga. Eu já tinha uma hérnia no umbigo, mas isso de uns dez anos. Cheguei lá no (hospital) Ana Nery pra cirurgia, fizeram anestesia e operaram. Duas horas e meia depois me levaram pra sala de recuperação. As seis e meia entrei em casa caminhando. Vim me embora, nem vi quarto, nem vi cama lá”, conta satisfeito.



E hoje…


Alvino e sua esposa Ivone moram sozinhos. Ele descreve que a conheceu no caminho do dentista. “Acho que ela foi espiar onde era o dentista que eu ia. Lá conversamos e na volta viemos juntos. Quando começamos a namorar, ela tinha 15 anos e eu 21. Mas eu não sabia que ela tinha 15 anos, achei que era mais ”, diz sorrindo. “ Casamos em 1950, 62 anos já vai fazer”.

O casal reside próximo de um cemitério, numa casa bonita, de pátio bem cuidado. Seu Alvino se refere ao local, como uma espécie de cupim: “Sempre digo pra Ivone, casal de coruja, gosta de morar em cupim”. Tiveram um casal de filhos: Oneide e Ieda. O filho mora perto, e a filha toda semana vem visitar. Oneide continua na agricultura e Ieda é artista plástica, pinta quadros, que dona Ivone mostra com orgulho.

“Eu fui de trem pra santa cruz muitas vezes. Pegava ali no Hildebrand, tinha um chalé, onde era a antiga linha férrea. O pai encostava a carroça, quando não tinha tempo de ir à cidade. Ele pegava uma toalha, abanava e o trem dava um apito. O chefe me dava a mão entre os vagões, puxava e eu ia de trem”.

Ele fala com saudades das viagens de trem, da convivência com os colegas, das andanças a cavalo e carroça. As lembranças do dia anterior, por vezes, podem não ser bem claras, a audição falhar em alguns momentos. No entanto, Alvino Junkherr lembra com detalhes, de um tempo que não volta, mas o fez pessoa rica de recordações e vivência. É de uma época, onde apesar de difíceis, as coisas eram simples, e as atitudes, verdadeiras.

Os links para trechos de áudio, com a possibilidade de ouvir online a conversa com Alvino Junkherr estão inseridos na matéria. Abaixo, seguem links para download da entrevista: