sexta-feira, 3 de maio de 2013

Agrotóxicos: um mal necessário?

Quando a busca desenfreada pela produtividade esbarra na saúde dos trabalhadores rurais


         O uso de substâncias químicas orgânicas ou inorgânicas na agricultura remonta a antiguidade clássica. A partir da “Revolução Verde”, o emprego de tais produtos aumentou, se transformando num alarmante problema para o meio ambiente e para a saúde das pessoas. Associada à utilização demasiada de agrotóxicos há o problema da destinação das suas embalagens, as quais podem se tornar fonte de contaminação ambiental e de danos à saúde humana (o texto deste parágrafo foi parcialmente retirado do artigo: Situação atual da utilização de agrotóxicos e destinação de embalagens na área de proteção ambiental Estadual Rota Sol, Rio Grande do Sul, Brasil, dos pesquisadores Damiene Boziki, Leonardo Beroldt da Silva e Rodrigo Cambará Printes).
         Apesar disso, e das diversas iniciativas à implementação de cultivos agroecológicos, a dita produção rentável, o agronegócio, anda paralelamente com a indústria de defensivos agrícolas. Agrotóxicos continuam sendo utilizados sistematicamente na agricultura. Neste sentido, surge um conflito entre as frentes envolvidas. De um lado, a produtividade garantida pelo uso de venenos, por outro a saúde dos produtores rurais e consumidores.
         Nos relatórios do Ministério da Saúde, o Rio Grande do Sul apresenta a maior participação percentual (16,4%) do total de casos de intoxicação registrados no país. Os casos de intoxicação por agrotóxicos registrados pelo Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox) são em sua grande maioria decorrentes de exposição aguda a esses produtos.
No mercado brasileiro estão registrados 434 ingredientes ativos, que combinados, resultam em pelo menos 2.400 formulações de agrotóxicos utilizadas em nossas lavouras. Os responsáveis pela regulação e controle destes produtos são os ministérios da Saúde (MS), da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e do Meio Ambiente (MMA). Das 50 substâncias mais usadas em terras brasileiras, 24 já foram banidas nos Estados Unidos, Canadá, Europa e, algumas, na Ásia. Apenas 14 delas estão em processo de reavaliação pela Anvisa – procedimento que se arrasta desde 2008. (Dados retirados do artigo Paraíso dos Agrotóxicos, publicado na revista Ciência Hoje, edição 296 de setembro/2012).
         Em entrevista para a revista IHU Online, do Instituto Humanitas Unisinos, o doutor em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Fundação Oswaldo Cruz, Wanderlei Pignati, afirmou que “não existe uso seguro de agrotóxicos”. Pignati também observa o fato de “30 tipos de pesticidas proibidos na União Europeia continuarem sendo usados no Brasil, como o endosulfan, clorado que se aloja na gordura e, por isso, pode ser encontrado inclusive no leite materno. Mesmo com o uso de EPIs, é impossível estar imune a esses produtos”.
Os agrotóxicos podem provocar três tipos de intoxicação:
- Aguda: os principais sintomas nas intoxicações agudas surgem rapidamente, algumas horas após a exposição, são nítidos e objetivos.
- Subaguda: sintomas aparecem aos poucos. São subjetivos e vagos tais como dor de cabeça, fraqueza, mal-estar, dor de estômago e sonolência, entre outros.
- Crônica: caracteriza-se por surgimento tardio, após meses ou anos, por exposição pequena ou moderada a produtos tóxicos ou a múltiplos produtos.

Agrotóxicos e a produção de tabaco

Segundo a tecnologista sênior da Fundação Oswaldo Cruz, Silvana Rubano Barretto Turci, “Na fumicultura são usados diversos agrotóxicos, como herbicidas, inseticidas, fungicidas e antibrotantes. A exposição aguda e crônica aos agrotóxicos pode causar diversas doenças, como vários tipos de câncer, lesões hepáticas, lesões renais, distúrbios do sistema nervoso, esterilidade masculina, reações alérgicas, fibrose pulmonar irreversível, hiperglicemia, entre outras”. Ainda, conforme Turci, “é importante destacar o uso de inseticidas organofosforados e carbamatos, que são agrotóxicos lipossolúveis (solúveis em gordura, portanto podem ficar armazenados nos tecidos gordurosos do organismo como fígado, rins, cérebro) que podem ser absorvidos por inalação, ingestão ou exposição dérmica”.
Nesse contexto um dilema. Embora existam inegáveis e justas questões envolvendo a saúde, a produção de tabaco fomenta a economia de vários municípios dos três estados da Região Sul do Brasil. Exemplos são polos regionais no Estado do Rio Grande do Sul, como Santa Cruz do Sul e Venâncio Aires, dependentes essencialmente desta cultura.
A fumicultura é organizada pelo Sistema Integrado de Produção, e através deste, os agricultores recebem das empresas com as quais firmam contrato – em regra grandes transnacionais - assistência técnica, insumos, e comercialização garantida. A produção concentra-se nas pequenas propriedades de agricultores familiares.
Conforme o presidente do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco, Iro Schünke, “o tabaco é a cultura comercial que menos utiliza agrotóxicos”. Além disso, Schünke afirma que a indústria tabaqueira realiza em relação aos venenos, “não somente a parte de conscientização, mas o melhor sistema de recolhimento de embalagens vazias de agrotóxicos do sul do Brasil. Realizamos uma grande campanha com os produtores para terem armários efetivamente vedados, onde guardam os agrotóxicos, para que não haja risco de acidente com outras pessoas da família, ou animais. Ainda, ampla campanha das empresas que disponibilizam Equipamentos de Produção Individual (EPI) para serem usados durante o manuseio. Um grande trabalho no sentido de minimizar o risco para o produtor e também à preservação do meio ambiente”.
No entanto, a tecnologista Silvana Turci pondera a existência de “estudos que apontam haver, entre os produtores de tabaco, um maior risco de desenvolver alterações neurocomportamentais capazes de evoluir para quadros de depressão e suicídio”. Além disso, Silvana analisa que os organofosforados, “causam três tipos de sequelas neurológicas: polineuropatia retardada, síndrome intermediária e efeitos comportamentais. A polineuropatia inclui fraqueza progressiva, perda de coordenação nas pernas, podendo evoluir até a paralisia. Os principais sintomas da síndrome intermediária são a diarreia intensa e a paralisia dos músculos do pescoço, das pernas e da respiração que ocorrem de forma aguda, podendo levar ao óbito. Dentre os efeitos comportamentais destacam-se: insônia, sono conturbado, ansiedade, retardo de reações, dificuldade de concentração e uma variedade de sequelas psiquiátricas como apatia, irritabilidade, depressão e esquizofrenia”.

A visão de outros profissionais envolvidos com o tema
Intoxicação por agrotóxicos e doença da folha verde do tabaco


Reportagem: Qual é a atuação do CEREST?
Adriana Skamvetsakis: O CEREST é um serviço que atua em 68 municípios da região dos vales. Grande parte desses municípios tem uma extensa área rural, então os agricultores, principalmente no entorno de Santa Cruz do Sul, tem a questão dos agrotóxicos e da fumicultura muito presente. Mas agrotóxicos, em toda região. Trabalhamos desde ações de educação, de orientação que são feitas através de seminários, de palestras, de encontros com os trabalhadores rurais, até ações de assistência. Nos casos em que há necessidade, os municípios da nossa abrangência encaminham os trabalhadores para que sejam acompanhados pela equipe do CEREST, e haja investigação dos casos de adoecimento, seja por agrotóxicos ou pela doença da Folha Verde do Tabaco.

Qual é a diferença da intoxicação por agrotóxicos, para a doença da folha verde do tabaco?
Os sintomas dos dois quadros acabam sendo parecidos por serem gerais. Dor de cabeça, tontura, náusea, vômitos, dor abdominal. O que nos auxilia muito na diferenciação, é justamente a história de contato com um ou outro produto, substância.
A maior parte de intoxicação pela doença da folha verde do tabaco se dá no período da colheita, pelo contato intenso com a folha do fumo. Os sintomas são muito evidentes nesse momento. Pelo trabalhador estar muito exposto, a folha molhada, o suor, um período muito quente do ano, enfim. Somamos aí, a exposição com os sintomas. Pode ser feita uma confirmação da suspeita através de um exame laboratorial, que é a dosagem deste produto sendo eliminado pela urina. Na verdade não é a nicotina que é eliminada, ela se transforma ao ser absorvida pela pele e é eliminada no formato de cotinina. Podemos dosar esse elemento na urina e confirmar essa intoxicação.
No caso dos agrotóxicos, seguimos a mesma linha de raciocínio. O trabalhador estava trabalhando com o produto, teve contato. Preparou a calda, fez a aplicação, entrou na lavoura logo após a aplicação, ou estava auxiliando de alguma forma, e teve os sintomas. Então no caso da intoxicação aguda é muito parecido, por isso temos de fazer essa diferenciação. Uma intoxicação não impede a outra. Infelizmente o trabalhador pode ter as duas ao mesmo tempo.
           
Produção de agroecológicos

Reportagem: Como é conduzida a utilização de agrotóxicos na produção de alimentos ou novas culturas. Existe ação de agroecológicos?
Zampieri: O trabalho que a EMATER realiza é muito forte no sentido do produtor ter o princípio de melhoria do solo. Melhorando o solo, terá uma cultura saudável, com menos risco de ser atacado por pragas e doenças. Então temos trabalhado muito forte na linha dos hortigranjeiros, no uso de adubação orgânica, controle de acidez. Há muitos recursos, para que não se precise buscar no agroquímico o controle de pragas e doenças. No sentido tanto do uso de adubo químico e no uso de agrotóxicos. Procuramos levar às nossas famílias, que eles estão trabalhando com alimentos e que o consumidor final é uma pessoa humana e quanto mais limpo esse alimento estiver, melhor. Portanto, existe um trabalho intenso, uma das bandeiras no trabalho da entidade é a redução e posterior eliminação do uso de agroquímicos dentro da produção de alimentos.