Juventude camponesa
Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, no Estado do Rio Grande do Sul existem 2.640.642 jovens, sendo que destes, 2.304.616 vivem no meio urbano e 336.026 no meio rural. Isso equivale a 12,07% de jovens rurais (de 15 a 29 anos), segundo dados do Censo IBGE 2010. Ainda, os dados estatísticos apontam para a masculinização e para o envelhecimento no campo. Quase 45 mil propriedades no Estado não tem sucessores, isto, numa faixa de 14 a 29 anos. Encurtada essa faixa para 24 anos, são 118 mil propriedades sem descendência. Um dado alarmante partindo levando-se em conta o fato de que agricultura familiar é responsável pela produção de aproximadamente 70% dos alimentos na mesa dos brasileiros. Além disso, de acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o número de estabelecimentos rurais no Rio Grande do Sul caiu 11% entre 1985 e 2006 (último ano com informações apuradas).
A partir desta rápida exposição estatística é fácil se chegar à conclusão de que a sucessão nas propriedades é umas das questões mais preocupantes ao meio rural brasileiro, especialmente no que se trata da agricultura familiar.
Continuar na agricultura, seguir na propriedade dos pais... Mas por quê? Com que incentivos? Quais são os caminhos da agricultura familiar? Por que tantos jovens deixam o meio rural? Como mudar esse paradigma? Qual o melhor caminho?
Partimos para essa investigação que não ficará restrita a números. Se assim prosseguisse, transformaria as pessoas
em meras estatísticas, planilhas. E esta não é a ideia. Esta reportagem busca justamente debater opiniões, humanidades. Pessoas são muito mais que números. São, dentre outras coisas: emoções, anseios, sonhos, afetos, decepções. Pessoas são subjetivas.
Meu filho deve seguir na agricultura?
Marlise Tornquist, agricultora, 54
anos, moradora do Distrito de São José da Reserva, no interior de Santa Cruz do
Sul - RS
Quando viemos morar aqui, começamos do zero.
Começamos plantando fumo e pra mim era totalmente novo, nunca tinha trabalhado
na roça, nunca tinha ido pra lavoura. Mas a gente vai aprendendo no dia-a-dia.
Hoje não trocaria. Eu não me vejo morando na cidade de novo. A ideia hoje da
juventude é trabalhar na cidade e morar no interior.
(Sobre os jovens deixarem o campo) Acho que
engloba de tudo um pouco. Mais é a renda. Aquela criança que acompanhou todo o
processo dos pais... No momento que tu tens o produto, não tem preço, quando
tem preço, é por que não deu produção. Com isso aí eles vão desacorçoando. Eles
tão vendo que os pais vão remando, remando e não saem daquilo ali. Então acho
que é por aí. (...) É complicado falar em futuro da agricultura.
Solange Tews Petry, agricultora de Linha Henrique
D’Ávila, interior de Vera Cruz - RS
É complicado. Por que a gente está nesse
meio, mas não tem como mudar isso muito. Então a gente está trabalhando, está
plantando, mas não é com aquela expectativa muito grande. Na verdade a gente
vai levando, mas não consegue nem fazer muitos planos. Temos sonhos e tudo, mas
na verdade, a situação está tão complicada que tu não consegues fazer muitos
planos, nem ter muitos sonhos. Esse ano é uma coisa, no outro tu não sabe como
vai ser.
A minha filha, espero que o fumo possa
melhorar e que eu possa ter condições de pagar faculdade pra ela. Por que eu
não quero que ela permaneça. Infelizmente. Eu nasci e cresci e vivi no meio do
fumo. Sempre trabalhei no fumo, mas tu vê que não progride pelo esforço que tu
tem no dia-a-dia, tu não tem a recompensa que merecia ter.
René Siegfrid Petry, 56 anos, (sogro de Solange)
agricultor de Linha Henrique D’Ávila, interior do município de Vera Cruz - RS
Foto: Sinara Barboza
O ânimo do meu filho está ficando bastante...
sinto que ele tá nervoso. Começa a ficar devendo em fumageira. Aí em vez de
sair o cara se enterra mais, fica devendo mais. Então eu noto que se ele
pudesse sair fora, ele estava saindo. Por que inclusive tem vizinhos que
conheço, que plantava 130, 150 mil pés de fumo e hoje está plantando 25 mil
pés. E foi se empregar, no negócio de caminhoneiro. E a mulher dele foi
trabalhar de empregada. Planta no sábado e domingo. Não deu pra eles aguentar o
tiro de plantar tanto fumo.
Janio Junkherr, 57 anos, agricultor do
Distrito de São José da Reserva, interior de Santa Cruz do Sul - RS
Foto: Leandro Porto
Está complicado, por que a renda está cada
vez menor, pros agricultores. Pra gurizada nova é difícil. Eles querem que
apareça renda. E é aí que complicam as coisas. Muitos não têm interesse. Eu
tenho um filho homem (têm também três filhas mulheres. Duas são casadas e a que
ainda mora em casa trabalha na cidade). A princípio ele está querendo ficar na
propriedade. Não é uma área muito grande, mas alguém tem que ficar. Só que se
piorar ainda mais, não sei se ele vai continuar. (...) O incentivo é muito
pouco. Eles falam muito em diversificação. Diversificar também não é fácil. É
cada vez mais compromisso, depende muito de venda. Planta uma coisa, mas não se
consegue vender. Essa garantia ainda o fumo tem. Tem a compra garantida e um
preço garantido também. Se a qualidade é boa, tem um preço razoável. Os outros
produtos sempre quando dá supersafra o preço cai, e se falta no mercado, é por
que a gente também não tem pra vender, não é fácil. A gente está tentando
manter o que se tem, melhorando aos pouquinhos. Não dá pra forçar demais, pra
não se endividar muito. A gente tem um “tambozinho” de leite. Mas é outro
problema. Pequeno produtor não tem incentivo nenhum. Eles falam que tem muito
incentivo pra pequeno produtor. Mas eu acho justamente o contrário. O pequeno
não tem incentivo. Se tu produz cem litros de leite por dia e o outro que
produz mil litros de leite por dia dá uma diferença de preço, de quem produz
cem, de vinte centavos ao litro. E justamente esse seria o lucro da gente.
Nestor Fritzen, agricultor de Linha João
Alves, em Santa Cruz do Sul - RS
Foto: Francisco Porto
Pra produzir não está tão fácil. Por que hoje
o apoio não é tanto. E a gente aqui trabalha tudo com recursos próprios. E os
filhos então a gente vê. Muitos vão pra cidade. E outros se mantêm, como os
meus dois, que continuaram na agricultura. E os outros buscam emprego, as
firmas são perto e eles acham melhor ali.
Ezequiel Redin, doutorando em Extensão Rural
na Universidade de Santa Maria (UFSM), pesquisador na área da agricultura
familiar, juventude rural e fumicultura. Também um jovem rural.
Foto: Arquivo pessoal/ Ezequiel Redin
Não vejo no ponto econômico o único cerne
para o jovem permanecer ou sair do meio rural. Pra mim a questão é bem mais
ampla que apenas dinheiro, apenas recurso financeiro. Acredito que está muito
ligado a elementos não econômicos, como por exemplo, a sociabilidade o espaço
rural, oportunidades de lazer, convívio, entretenimento, possibilidade de troca
de experiências. (...) Também podemos entrar numa outra questão que é a da autonomia
do jovem na gestão da propriedade. Por vezes a família é bem estruturada
economicamente, mas mesmo assim, o jovem sai da propriedade. Mas daí qual é o
problema? Vejo que não passa mais a ser a questão da renda, mas da autonomia do
recurso. Do jovem também gerir a propriedade, ter sua própria renda.
O que pensam especialistas e
estudiosos do tema
Secretário Executivo da Associação Gaúcha das
Escolas Família Agrícola, Adair Pozzebon
Está em grave risco a questão da sucessão
rural e a própria agricultura familiar. O grande problema é a reprodução desse
modelo de agricultura. No sentido que não se tem mais hoje, jovens que queiram
permanecer na propriedade dos pais e que queiram continuar naquele sistema da
produção, fruto de um projeto. A questão do êxodo, da evasão, não é um problema
que começou agora. Hoje ele surge como ponto de debate e discussão. Mas é um
problema que desde a década de 1950, 60, e se intensificou, fruto de um projeto
de modernização da agricultura que foi colocado no nosso país. E esse projeto
de modernização da agricultura é um projeto que visa o urbano.
Técnico da
EMATER em Santa Cruz do Sul, Paulo Zampieri
Essa é a preocupação de todas as entidades
que se envolvem com o meio rural. Isso é notório, é em Santa Cruz, em todo
Brasil, enfim é uma questão até mundial. Basta ver depoimentos de pessoas
conhecedoras do assunto que percorrem o Brasil e o mundo, realmente o meio
rural está envelhecendo até por não ter um incentivo, um acompanhamento maior
dos poderes públicos, de realmente ver os pontos que tem necessidade pra esse
desenvolvimento e pra que o jovem fique no meio rural. Então acredito que se
deva criar mais políticas públicas para manter esse jovem no rural. Para que
ele se sinta atraído em permanecer no campo. Por que hoje o jovem é atraído pro
meio urbano. É ali que está sendo feito investimentos pelos poderes públicos.
Engenheiro Agrônomo do Instituto Agronômico
do Paraná (IAPAR), Dirk Cláudio Ahrens
Foto: Ezequiel Redin
O jovem hoje tem outros interesses e outros valores que as mídias trazem pra ele e que o meio rural não oferece. O que nós vemos é que num primeiro momento ele deve ter autonomia pra fazer essa escolha. E pra que ele faça essa escolha bem feita, o estado tem que promover condições pra que o campo melhore, nas questões de estrada e acesso, melhore nas questões de informações. Hoje a telefonia celular ou internet são muito importantes para que o jovem esteja conectado. Se ele estiver distante do centro, mas conectado com outros jovens ele não tem essa sensação de isolamento que normalmente ele teria. Por outro lado, os jovens precisam de lazer no campo também. As comunidades acabaram enfraquecendo muito pela saída da população e precisam ser reforçadas no sentido de promover que o jovem se sinta a vontade. Que não só o homem fique no campo, mas que também a moça siga no meio rural. E que haja casamentos e as famílias tenham sucessão. Por que em muitos momentos, em muitos locais existe a masculinização do campo. As moças estudam mais, vão pra cidade, conseguem emprego e ficam os jovens na família, no campo e tendo uma vida que não é a desejada. Por outro lado há a necessidade que as instituições de pesquisa desenvolvam trabalhos para que a penosidade do trabalho no campo seja minimizada. Por que ninguém gosta de trabalhar pesado.
Educação como agente transformador
Um dos caminhos para frear o êxodo rural, pode ser preparar os jovens. Oferecer-lhes oportunidades, alternativas, opções ao que está posto. Nesse sentido, uma nova proposta de educação, focada nas questões do meio rural, vem adquirindo bastante força e demonstrando efetividade de resultados.
As Escolas Família Agrícola (EFA) visam trazer uma nova perspectiva de educação para o campo. Consistem num modelo diferenciado de educação para a juventude do campo, trabalham a partir da realidade vivenciada e capacitam o jovem para se tornar um empreendedor no meio rural. No Rio Grande do Sul, existem duas. Uma em Santa Cruz do Sul, a EFASC, e outra recém implantada no município de Garibaldi.
Para o secretário Executivo da Associação Gaúcha de Escolas Família Agrícola, Adair Pozzebon, estas escolas trabalham com a pedagogia da alternância e seguindo os princípios da educação no campo. Ou seja, trabalhando pra que esses jovens, antes de serem técnicos, sejam formados agricultores. “É uma visão diferente de formação. O jovem é formado pra continuar na agricultura, pra respeitar, pra valorizar o que lá está colocado. Pra perceber que para ser agricultor também é preciso estudo, também é preciso formação. As Escolas Família Agrícola meio que vem contra a maré, contra a onda de modernização que foi imposta no Brasil”.
Professor de educação física na rede pública no município de Rio Pardo, Jader Rodeghiero
Vejo primeiramente que a
educação tem de ser atrelada ao modelo de desenvolvimento que tu queres para o
campo. E nesse sentido as escolas do meu município, Rio Pardo, infelizmente
estão sendo contraditórias. A gente não tem ainda um plano político-pedagógico
vindo da mantenedora em relação à educação rural. O modelo que a gente aplica
nas escolas do interior é o mesmo plano pedagógico das escolas urbanas. Com
isso tu acabas fomentando cada vez mais que esse jovem rural, abandone o campo.
Ele desde pequeno vem com todo conteúdo urbano, o que faz com que ele lá no fim
do ensino fundamental, que são as escolas municipais, deixe o ensino
fundamental e vá para o médio já procurando a zona urbana. Então tu tens toda a
problemática da cultura agrícola dessa comunidade. Dou aula no Passo da Areia.
Existe a cultura predominante do fumo, onde tu passas a ter agricultores se
tornando fumicultores. A gente perdeu no município e na região onde dou aula a
questão do agricultor. Temos muito poucos agricultores, produzindo alimentos.
Alguns sites podem ser usados como referência
para pesquisas maiores sobre os temas de nossa reportagem. Abaixo você tem uma
lista deles: